Informativo 772 STJ

Informativo nº 772

2 de maio de 2023.

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

REsp 1.138.695-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/4/2023 (Tema 505)

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

Recurso repetitivo. Retratação. Art. 1.040, II, CPC/2015. Adaptação da jurisprudência do STJ ao que julgado pelo STF no RE 1.063.187/SC (Tema 962 - RG). Modificação da tese referente ao 505/STJ para afastar a incidência de IR e CSLL sobre a taxa SELIC quando aplicada à repetição de indébito tributário. Preservação da tese referente ao 504/STJ e demais teses já aprovadas no 878/STJ. Reconhecimento da modulação de efeitos estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. (Tema 505)

DESTAQUE

Em adequação da jurisprudência do STJ ao que foi julgado pelo STF no Tema 962 da Repercussão Geral (RE 1.063.187/SC), modifica-se a tese referente ao Tema 505/STJ para afastar a incidência de IR e CSLL sobre a taxa SELIC quando aplicada à repetição de indébito tributário, preservando-se a tese referente ao Tema 504/STJ e demais teses já aprovadas no Tema 878/STJ, reconhecendo a modulação dos efeitos estabelecido no EDcl no RE 1.063.187/SC pelo STF.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Em julgado proferido no RE 1.063.187/SC (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 27/9/2021), o Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 962 da repercussão geral (apreciação de valores atinentes à taxa SELIC recebidos em razão de repetição de indébito tributário), deu interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 3º, § 1º, da Lei n. 7.713/1988; ao art. 17 do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e ao art. 43, II e § 1º, do CTN para excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do IR e da CSLL sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário.

Fixou-se, então, a seguinte tese: Tema n. 962 da Repercussão Geral: "É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário".

A ratio decidendi da causa em questão versa apenas sobre a taxa SELIC percebida em razão da repetição de indébito tributário que, excepcionalmente, não possui natureza de lucros cessantes. No precedente, o STF acabou por trazer para o conceito de indenização o tecnicamente chamado "dano remoto" (ou dano indireto) - aquele dano decorrente dos compromissos feitos pelo credor em seu próprio prejuízo durante a mora do devedor e que não estavam no contrato e não eram previsíveis pelo devedor.

O conceito de "dano emergente" existe em oposição ao de "dano remoto". O art. 403 do CC/2002, dispõe que "as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela (inexecução) direto e imediato". Dessa forma, invocar eventuais prejuízos que o credor vier a sofrer ao tomar dinheiro emprestado para saldar suas obrigações porque o devedor está em mora com ele, significa trazer para o conceito de "dano emergente" situações típicas de "dano remoto". De todo modo, essa constatação, a de que se invocou de forma casuística o "dano remoto", apenas corrobora a excepcionalidade do argumento utilizado pelo STF.

Posteriormente, o entendimento foi confirmado mais adiante com o julgamento dos embargos de declaração no mesmo RE n. 1.063.187/SC (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 2.5.2022). No julgado, foi prestado o esclarecimento de que o acórdão se aplica apenas nas hipóteses em que há o acréscimo de juros moratórios mediante a taxa SELIC na repetição de indébito tributário (inclusive na realizada por meio de compensação), seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial, não se aplicando nas situações em que a SELIC incide a título de juros remuneratórios, de depósitos judiciais ou nas situações de juros de mora pagos no contexto de contrato entre particulares.

A delimitação feita pelo Supremo Tribunal Federal é extremamente relevante. Embora signifique uma superação da tese repetitiva adotada pelo STJ no 505/STJ, significa também que todas as demais teses repetitivas adotadas pelo STJ no que diz respeito à incidência do IR e da CSLL sobre juros de mora restam preservadas. Assim, embora o 505/STJ deva sofrer modificação para ser adaptado ao Tema n. 962 da Repercussão Geral, continuam em pleno vigor o 504/STJ e o 878/STJ.

Outro ponto de relevo é que no julgamento dos Edcl no RE 1.063.187/SC (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 2.5.2022) o STF acolheu pedido de modulação de efeitos estabelecendo que a tese aprovada produza efeitos ex nunc a partir de 30/9/2021 (data da publicação da ata de julgamento do mérito), ficando ressalvados: a) as ações ajuizadas até 17/9/2021 (data do início do julgamento do mérito); e b) os fatos geradores anteriores a 30/9/2021 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral.

Dito de outra forma, (a) a Fazenda Nacional não poderá mais cobrar IR ou CSLL incidentes sobre juros SELIC na repetição de indébito tributário; (b) quem não pagou IR ou CSLL incidentes sobre juros SELIC na repetição de indébito tributário não poderá mais ser obrigado a pagar; (c) quem já pagou e tem ações novas ajuizadas (ações ajuizadas depois de 17/9/2021) não receberá a repetição; e (d) quem já pagou e tem ações antigas ajuizadas (ações ajuizadas até 17/9/2021) receberá a repetição correspondente.

Essa mesma modulação, por fazer parte da repercussão geral, também é vinculante para este Superior Tribunal de Justiça tanto quanto a tese principal acolhida no Tema n. 962 da Repercussão Geral e aqui deve ser reproduzida, de modo que a tese firmada no 505/STJ deve ser por ela integrada, prevalecendo a tese em sua redação anterior para as situações excluídas pela modulação.

Por fim, os temas enfrentados no presente repetitivo já incluída a superação realizada pelo STF recebem as seguintes teses: 504/STJ: "Os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais possuem natureza remuneratória e não escapam à tributação pelo IRPJ e pela CSLL"; e 505/STJ: "Os juros SELIC incidentes na repetição do indébito tributário se encontram fora da base de cálculo do IR e da CSLL, havendo que ser observada a modulação prevista no Tema n. 962 da Repercussão Geral do STF - Precedentes: RE 1.063.187/SC e Edcl no RE 1.063.187/SC".

Assim, em juízo de retratação modifica-se a redação do 505/STJ, mantendo a tese referente ao 504/STJ e demais teses já aprovadas no 878/STJ.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Tributário Nacional (CTN/1966), art. 43, II e § 1º

Código Civil (CC/2002), art. 403

Código Civil (CC/1916), art. 1.060

Lei n. 7.713/1988, art. 3º, § 1º

Decreto-Lei n. 1.598/1977, art. 17

PRECEDENTES QUALIFICADOS

Tema 962/STF

504/STJ

505/STJ

878/STJ

Saiba mais:

Processo

REsp 1.995.437-CE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/4/2023. (Tema 1164)

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

 

Tema

Contribuição previdenciária a cargo do empregador. Base de cálculo. Auxílio-alimentação pago em dinheiro. Inclusão. Natureza salarial e habitualidade. (Tema 1164)

DESTAQUE

Incide a contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o auxílio-alimentação pago em pecúnia.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A questão submetida refere-se à possibilidade de incidência da contribuição previdenciária devida pelo empregador sobre os valores pagos em pecúnia aos empregados a título de auxílio-alimentação, ou seja, se essa verba se enquadra no conceito de salário para que possa compor a base de cálculo do referido tributo.

De início, ressalta-se que a contribuição previdenciária devida pelo empregador é uma das espécies de contribuições para o custeio da seguridade social e encontra-se prevista na alínea "a" do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. É necessário considerar, também, o disposto no art. 201, § 11, da Constituição Federal, que traz o conceito constitucional de salário para fins de contribuição previdenciária: "Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei".

O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 565.160/SC (de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, julgado sob o rito da repercussão geral - Tema n. 20), enfrentou questão relacionada à interpretação da expressão "folha de salários", para fins de incidência da contribuição previdenciária devida pelo empregador e fixou a seguinte tese jurídica: "A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, a qualquer título, quer anteriores, quer posteriores à Emenda Constitucional n. 20/1998 - inteligência dos artigos 195, inciso I, e 201, § 11, da Constituição Federal".

Dos votos proferidos pelos Ministros do STF, é possível extrair dois requisitos para que determinada verba componha a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal: (I) habitualidade; (II) caráter salarial. A habitualidade constitui pressuposto constitucional expresso no art. 201, § 11, da Constituição Federal, enquanto a definição da natureza salarial ou indenizatória da verba paga ao empregado está afeta à esfera infraconstitucional.

Por sua vez, o auxílio-alimentação é parcela que constitui benefício concedido aos empregados para custear despesas com alimentação (necessidade essa que deve ser suprimida diariamente) sendo, portanto, inerente à sua natureza a habitualidade. Assim, fica claro que o requisito constitucional para a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador está cumprido.

Quanto à legislação federal que trata da base de cálculo da contribuição previdenciária e da natureza das parcelas recebidas em decorrência de relação de emprego, elenca-se a Lei n. 8.212/1991 (Lei Orgânica da Seguridade Social) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A interpretação sistemática dos arts. 22, I, 28, I, da Lei n. 8.212/1991 e 457, § 2º, da CLT (a partir da vigência da Lei n. 13.467/2017 - Reforma Trabalhista) revela que o auxílio-alimentação pago em dinheiro ao empregado possui natureza salarial.

Extrai-se desses dispositivos que há uma correspondência entre a base de cálculo da contribuição previdenciária devida pelo empregador e a base de cálculo do benefício previdenciário a ser recebido pelo empregado, sendo certo que ambas levam em consideração a natureza salarial das verbas pagas. Em outras palavras: a parcela paga ao empregado com caráter salarial manterá essa natureza para fins de incidência de contribuição previdenciária patronal e, também, de apuração do benefício previdenciário.

Dito isso, vale ressaltar que esta Corte Superior, ao julgar o REsp 1.358.281/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos, explicitou no que consiste o caráter salarial e o indenizatório das verbas pagas aos empregados para definir sua exclusão ou inclusão na base de cálculo da contribuição previdenciária.

Ademais, cabe aqui esclarecer que a presente controvérsia envolve o auxílio-alimentação pago em dinheiro ao empregado, que pode ser usado para quaisquer outras finalidades que não sejam a de arcar com os gastos com sua alimentação. Não se discute, nesse precedente, a natureza dos valores contidos em cartões pré-pagos, fornecidos pelos empregadores, de empresas como "Ticket", "Alelo" e "VR Benefícios", cuja utilização depende da aceitação em estabelecimentos credenciados, como supermercados, restaurantes e padarias.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Constituição Federal (CF), arts. 195, I, "a" e 201, § 11

Lei n. 8.212/1991 (Lei Orgânica da Seguridade Social), arts. 22, I e 28, I

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), art. 457, § 2º

PRECEDENTES QUALIFICADOS

Tema 20/STF

Processo

REsp 1.945.110-RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/4/2023. (Tema 1182)

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

IRPJ. CSLL. Base de cálculo. Benefícios fiscais diversos do crédito presumido de ICMS. Pretensão de inclusão na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Impossibilidade de extensão dos efeitos dos ERESP 1.517.495/PR. Possibilidade de exclusão legal da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Cumprimento dos requisitos legais. Aplicação do art. 10 da Lei Complementar n. 160/2017 e do art. 30 da Lei n. 12.973/2014. Precedentes da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça. Tema 1182.

DESTAQUE

1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10 da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30 da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado nos ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei n. 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Constituição Federal (CF), arts. 150, VI, a, § 6º e 155, § 2º, XII, g

Lei Complementar n. 160/2017, arts. 9º e 10

Lei n. 12.973/2014, art. 30, §§ 4º e

SÚMULAS

Súmula Vinculante n. 58/STF

Saiba mais:

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

REsp 1.939.455-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 26/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares. Decisão liminar posteriormente revogada. Prazo prescricional decenal. Art. 205 do Código Civil (CC/2002). Enriquecimento sem causa. Não configuração. Responsabilidade civil. Distinção. Prescrição intercorrente. Não aplicação.

DESTAQUE

É de 10 anos o prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de decisão liminar posteriormente revogada, tendo em vista não se tratar de hipótese de enriquecimento sem causa, de prescrição intercorrente ou de responsabilidade civil.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A ratio decidendi dos EAREsp 738.991/RS, no sentido de que deve ser aplicada a regra geral, disposta no art. 205 do Código Civil, à pretensão de restituição de cobrança indevida, no contexto de uma relação de consumo, pois nessas situações há uma causa, o contrato existente, inexistindo regra específica ao caso, se amolda à hipótese em apreço, justificando o afastamento do prazo prescricional previsto para a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa e a incidência do prazo prescricional geral de 10 (dez) anos na ausência de prazo específico previsto em lei, notadamente tendo em vista que ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio (onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito).

O que se verifica é que, antes do pagamento da complementação de aposentadoria por efeito de decisão liminar, existe um contrato de previdência privada celebrado. Desse modo, os pagamentos excedentes encontram-se inseridos no contexto da relação jurídica previdenciária existente entre as partes, que é fruto de um contrato que lhe serviu de fundamento. Muito embora a decisão que deferiu a tutela de urgência possa ser encarada como causa imediata dos referidos pagamentos, é imperioso observar que, a rigor, a verdadeira causa, isto é, a causa mediata do recebimento da complementação de aposentadoria é o próprio contrato de previdência privada entabulado entre recorrente e recorrida, motivo pelo qual não há que se falar, na espécie, em enriquecimento sem causa.

Com efeito, se não existisse o referido contrato de previdência complementar, não haveria como se deferir a tutela de urgência cuja revogação ora se discute, motivo pelo qual não incide na espécie o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, mas, sim, o prazo prescricional geral de dez anos previsto no art. 205 do mesmo Diploma legal.

Também não são aplicáveis ao caso os prazos previstos no parágrafo único do art. 103 da Lei n. 8.213/1991, no art. 75 da Lei Complementar n. 109/2001 e nas Súmulas 291 e 427 do Superior Tribunal de Justiça, que referem-se às pretensões dos beneficiários em face da entidade de previdência para cobrar valores que entendem devidos em virtude, diretamente, da relação jurídica previdenciária estabelecida entre as partes. Não há referência alguma a possíveis pretensões titularizadas pela entidade previdenciária em face do beneficiário na específica hipótese de revogação de decisão liminar outrora deferida. A pretensão do autor, deduzida na inicial, é eficácia do contrato de previdência complementar. É com base no contrato que o autor veicula sua pretensão na exordial. Por outro lado, a pretensão de ressarcimento do réu é eficácia da revogação da tutela de urgência outrora deferida. São pretensões distintas, titularizadas por sujeitos diversos e que representam a eficácia de fatos jurídicos igualmente distintos. Não há aqui nenhuma simetria, motivo pelo qual, rogando as mais respeitosas vênias, não há que se falar em prescrição intercorrente.

Por sua vez, a doutrina aponta que o inciso III do § 5º do art. 206 do Código Civil, por sua vez, trata apenas da pretensão de ressarcimento das verbas que a parte vencedora despendeu em juízo em virtude do processo, abarcando custas, diligências de oficiais de justiça, preparos, honorários de perito, etc, não guardando, portanto, sequer similitude com a hipótese em apreço.

Especificamente no que diz respeito ao art. 75 da Lei Complementar n. 109/2001, no julgamento do REsp 1803627/SP, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afastou-se expressamente a sua incidência, ao fundamento de que se trataria de previsão legal de aplicação restrita à pretensão de recebimento de parcelas não pagas de benefício de previdência complementar.

Não se pode olvidar, ademais, que, em matéria de prescrição, a interpretação há de ser restritiva, tendo em vista se tratar do encobrimento da eficácia da pretensão pelo decurso do tempo, representando verdadeira restrição à esfera jurídica dos sujeitos de direito. Há evidente prejuízo à segurança jurídica ao se interpretar elasticamente as normas atinentes à prescrição com base em princípios jurídicos, como o da simetria.

Outra questão fundamental para o deslinde da controvérsia diz respeito à determinação do alcance interpretativo do art. 302 do Código de Processo Civil. O que se discute, verdadeiramente, portanto, é se o simples dever de restituir valores recebidos por força de tutela antecipada decorre ou não de responsabilidade civil. O fato jurídico que dá origem ao dever de restituir é o ato jurídico processual, praticado pelo juiz, de julgar improcedentes os pedidos, confirmando a revogação da liminar. Ao julgar improcedentes os pedidos, confirmando a revogação da liminar, nasce para aquele que foi beneficiado pela tutela antecipada o dever de restituir aquilo que recebeu, pois a tutela provisória é, por sua própria natureza, precária. Não se trata, portanto, propriamente, de responsabilidade civil, mas de simples restituição.

A distinção é sútil: uma coisa é o dever de restituir os valores despendidos para cumprir a tutela antecipada deferida; outra, é o dever de indenizar os danos causados pelo deferimento da tutela. Em síntese, indenizam-se os danos causados pelo deferimento da tutela antecipada quando se observa, na hipótese concreta, que a simples restituição do que se recebeu não é suficiente para o restabelecimento do status quo ante. Nessa hipótese, ao lado da restituição, haverá indenização.

Em síntese, tendo em vista não se tratar de hipótese de enriquecimento sem causa, de prescrição intercorrente ou de responsabilidade civil, incide, na ausência de prazo específico previsto em lei, o prazo prescricional geral de dez anos disposto no art. 205 do Código Civil.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC), art. 302

Código Civil (CC), arts. 205, 206, § 3º, IV, e § 5º, III

Lei n. 8.213/1991, art. 103

Lei Complementar n. 109/2001, art. 75

SÚMULAS

Súmula n. 291/STJ

Súmula n. 427/STJ

Saiba mais:

Processo

REsp 1.939.455-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 26/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares. Decisão liminar posteriormente revogada. Prazo prescricional. Termo a quo. Data do trânsito em julgado. Conhecimento do direito à restituição.

DESTAQUE

O termo a quo do prazo prescricional da pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de decisão liminar posteriormente revogada é a data do trânsito em julgado do provimento jurisdicional em que a confirma, pois esse é o momento em que o credor toma conhecimento de seu direito à restituição, em que não mais será possível a reversão do aresto que revogou a decisão precária.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A determinação do termo inicial dos prazos prescricionais demanda que se estabeleça a distinção entre os conceitos de direito subjetivo e de pretensão.

A pretensão, posição jurídica de direito material encoberta pela prescrição, é "a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa". Trata-se do chamado grau de exigibilidade do direito, nascendo, portanto, tão logo este se torne exigível.

Pode-se observar que, antes do advento da pretensão, já existe direito e dever, mas em situação estática. Especificamente no âmbito das relações jurídicas obrigacionais, por exemplo, antes mesmo do nascimento da pretensão, já há crédito (direito) e débito (dever) e, portanto, credor e devedor.

A dinamicidade surge, tão somente, com o nascimento da pretensão, que pode ser, ou não, concomitante ao surgimento do próprio direito subjetivo. Somente a partir desse momento, o titular do direito poderá exigir do devedor que cumpra aquilo a que está obrigado.

Assim, visando ao encobrimento da eficácia da pretensão, a prescrição, como consequência lógica, possui como termo inicial do transcurso de seu prazo o nascimento dessa posição jurídica (pretensão).

Daí a tão propalada teoria da actio nata, segundo a qual os prazos prescricionais se iniciariam no exato momento do surgimento da pretensão. De fato, somente a partir do instante em que o titular do direito pode exigir a sua satisfação é que se revela lógico imputar-lhe eventual inércia em ver satisfeito o seu interesse.

A jurisprudência desta Corte Superior, passou a admitir que, em determinadas hipóteses, o início dos prazos prescricionais deveria ocorrer a partir da ciência do nascimento da pretensão por seu titular, no que ficou conhecido como o viés subjetivo da teoria da actio nata.

Na hipótese dos autos, em que se discute o prazo prescricional da pretensão restitutória fruto da revogação de tutela provisória outrora deferida, importa consignar que o termo inicial do prazo prescricional é, em regra, a data em que o credor tem conhecimento da pretensão que lhe compete e da pessoa do responsável, aplicando-se, portanto, o viés subjetivo da teoria da actio nata.

Desse modo, é forçoso concluir que, na específica hipótese de revogação de decisão liminar, o termo a quo do prazo prescricional é a data do trânsito em julgado do provimento jurisdicional em que se confirma a revogação da liminar, pois esse é o momento em que o credor toma conhecimento de seu direito à restituição, pois não mais será possível a reversão do aresto que revogou a decisão precária.

É imprescindível aguardar-se o trânsito em julgado, pois, se a tutela provisória concedida ao autor for revogada, mas a pretensão autoral for, ao final, julgada procedente, nada haverá que ser restituído, uma vez que aquilo que foi pago a título precário revelou-se, ao final, realmente devido. Em síntese, se nada deve ser restituído, sequer seria necessário discutir acerca da prescrição da pretensão restitutória.

TERCEIRA SEÇÃO

Processo

RvCr 5.247-DF, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Rel. para acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, por maioria, julgado em 22/3/2023, DJe 14/4/2023.

Tema

Dosimetria. Revisão criminal. Hipótese do art. 621, III, parte final, do CPP. Ausência de indicação de novas provas. Não cabimento.

DESTAQUE

Os fundamentos utilizados na dosimetria da pena somente devem ser reexaminados se evidenciado, previamente, o cabimento do pedido revisional.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O STJ entende que "embora seja possível rever a dosimetria da pena em revisão criminal, a utilização do pleito revisional é prática excepcional, somente justificada quando houver contrariedade ao texto expresso da lei ou à evidência dos autos" (AgRg no AREsp 734.052/MS, Quinta Turma, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 16/12/2015).

No caso, o pedido revisional direciona-se contra a exasperação da pena, sob o argumento de terem sido desproporcionais tanto o aumento imposto à pena-base como o aplicado na segunda fase, em razão da agravante da reincidência. A revisão criminal foi ajuizada com base no art. 621, III, parte final, do Código de Processo Penal relativa à descoberta de novas provas após a sentença.

Porém, limitou-se o requerente a afirmar que, na fixação da pena, "não se levou em conta os princípios da individualização da pena, da proprocionalidade e da razoabilidade, autorizando assim a reforma da condenação pois que há circunstância que autorize diminuição especial de pena". Não foram indicadas as novas provas a que faz alusão o inciso III do art. 621 do Código de Processo Penal, ônus inafastável e apto a legitimar a utilização da revisão criminal.

Os fundamentos utilizados na dosimetria da pena somente devem ser examinados se evidenciado, previamente, o cabimento do pedido revisional, porquanto a revisão criminal não se qualifica como simples instrumento a serviço do inconformismo da parte. Portanto, examiná-la, no caso, significaria autorizar a revisão dos critérios de discricionariedade utilizados por esta Corte para manter a pena aplicada pela instância ordinária, desvirtuando por completo a essência do instituto.

Ademais, conforme recentemente advertiu a Terceira Seção, "apenas a ofensa manifesta ao texto legal permite a revisão da sentença protegida pelo trânsito em julgado, diante da necessidade de ponderar as garantias constitucionais da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CF) e do devido processo legal (art. 5º, inciso LVI, da CF)" - RvCr 4.890/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 26/5/2021, DJe 2/6/2021.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Penal (CPP), art. 621, III, parte final

Saiba mais:

PRIMEIRA TURMA

Processo

REsp 1.340.335-CE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 18/4/2023, DJe 25/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO AMBIENTAL

 

Tema

Criação do Parque Nacional de Jericoacoara. Imóvel inserido na área do parque. Limitação administrativa. Grau de esvaziamento econômico da propriedade. Atividades de turismo ecológico. Possibilidade de exploração econômica. Direito de propriedade que não é afetado em caráter substancial. Fundamento não aplicável ao caso. Aplicação da lei em sua literalidade. Hipótese de desapropriação. Dever de indenizar.

DESTAQUE

A transformação da área loteada por pousada no Parque Nacional de Jericoacoara se deu por desapropriação e gera o dever do Estado de indenizar a proprietária do imóvel.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia em questão trata da transformação de determinada área, inicialmente ocupada por pousada, no Parque Nacional de Jericoacoara (Área de Preservação Permanente de Jericoacoara), e da ocorrência de desapropriação indireta sobre imóvel de propriedade daquela, pela qual pretende indenização.

A autora pleiteou indenização em virtude da transformação da Área de Preservação Permanente de Jericoacoara no Parque Nacional de Jericoacoara. O Tribunal de origem consignou que os imóveis atingidos pela criação deste poderiam ser explorados mediante atividades turísticas, com espeque nos arts. 1º e 2º da Lei n. 11.486/2007, pois "os imóveis que se encontram dentro da área do Parque Nacional de Jericoacoara poderão ser economicamente explorados, desde que, em atividades de turismo ecológico". Por essa razão pela qual entendeu não ter havido o esvaziamento econômico do imóvel em foco, e consequentemente afastou a ocorrência de desapropriação indireta. A questão foi examinada sob a ótica do grau de esvaziamento econômico da propriedade por força de suposta limitação administrativa.

Contudo, a solução da controvérsia apenas reclama a aplicação da lei em sua literalidade. É que o § 1° do art. 1° da Lei n. 9.985/2000 assevera que "O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei". Se a própria lei informa que os imóveis de domínio particular devem ser desapropriados para a criação de parques nacionais, é despiciendo sindicar sobre a eventual imposição de limitação administrativa. Assim, é de se concluir que houve desapropriação, razão pela qual o pagamento de justa indenização é medida que se impõe. Ainda que seja permitida a sua visitação para recreação e turismo ecológico, o domínio do particular obrigatoriamente deve ser transferido ao Poder Público.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também reconhece a necessidade de prévia desapropriação para criação de parque nacional, cuja respectiva área seja de domínio particular (AgInt no REsp 2.018.026/AC, Relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 24/11/2022 e REsp 1.724.777/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/4/2018, DJe 8/9/2020).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Lei n. 9.985/2000, art. 11, § 1º

Lei n. 11.486/2007, arts. 1º e

SEGUNDA TURMA

Processo

REsp 2.049.725-PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Princípio da não surpresa. Fundamento fático-jurídico novo alegado em sustentação oral em segunda instância. Ato administrativo de efeitos concretos com roupagem de lei formal. Prejuízo à parte contrária. Reabertura de prazo para exercício do contraditório e da ampla defesa. Arts. 10 e 933 do CPC.

DESTAQUE

Em respeito ao princípio da não surpresa, é vedado ao julgador decidir com base em fundamentos jurídicos não submetidos ao contraditório no decorrer do processo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O argumento fático novo apresentado em sustentação oral, em segunda instância, foi a alegação de que a Lei municipal n. 17.337/2017, ato administrativo concreto, com roupagem de lei formal, que tão somente deu uma denominação a uma área de proteção ambiental, significou reconhecimento municipal da ocorrência da desapropriação indireta.

Vê-se, então, que não foi apenas a alegação em plenário de fundamento legal novo, mas sim de construção argumentativa com conclusão de postura municipal de reconhecimento administrativo de realização de desapropriação indireta, tudo com base em fato jurídico apresentado de forma surpreendente, sem prévia possibilidade, com antecedência devida, de ponderação do argumento e construção de contra-argumento no pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.

Tal lei em sentido material configura, de forma inequívoca, um ato administrativo que apenas deu nova denominação à área de proteção ambiental em epígrafe, com característica essencialmente individual, referindo-se a imóvel específico e determinado, não regulamentando, assim, eventuais e futuras relações jurídicas de forma geral e impessoal, particularidades essenciais para caracterizá-lo como fundamento legal.

Dessarte, de acordo com o art. 933, em sintonia com o art. 10, todos do CPC, veda-se a decisão-surpresa no âmbito dos tribunais, tendo decidido de forma acertada, o Tribunal de origem, no sentido de abrir vista às partes para que possam manifestar-se, em respeito ao devido processo legal.

Nesse diapasão, o entendimento jurídico adotado nesta Corte Superior é no sentido de respeito ao princípio da não surpresa, o qual ensina que é vedado ao julgador decidir com base em fundamentos jurídicos não submetidos ao contraditório no decorrer do processo, com fulcro no art. 10 do CPC.

Dessa forma, é necessária a observância da cooperação processual nas relações endoprocessuais e do direito à legítima confiança de que o resultado do processo seja decorrente de fundamentos previamente conhecidos e debatidos pelas partes litigantes.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Penal (CPC), arts. 10 e 933

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.045.640-GO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023, DJe 28/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Habilitação de crédito em inventário. Impugnação pelas partes interessadas. Conversão em ação de cobrança pelo juiz. Impossibilidade.

DESTAQUE

É ônus do credor não admitido no inventário o ajuizamento da ação de conhecimento, não competindo ao juiz a conversão do pedido de habilitação de crédito em ação de cobrança, em substituição às partes.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir a possibilidade de conversão, de ofício, de pedido de habilitação de crédito em inventário em ação de cobrança.

Dessume-se da leitura dos arts. 1.017 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), 642 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) e 1.997 do Código Civil (CC) que, concordando as partes interessadas (credores e herdeiros) com o pedido, o juiz, ao declarar habilitado o credor, mandará que se faça a separação de dinheiro ou, em sua falta, de bens suficientes para o seu pagamento, determinando, em seguida, a sua alienação ou, caso requeira o credor, lhe sejam adjudicados os bens já reservados para o seu pagamento, em vez do recebimento em dinheiro, desde que a esse respeito concordem todas as partes (arts. 1.017, §§ 2º ao 4º, do CPC/1973; e 642, §§ 2º ao 4º, do CPC/2015).

Havendo discordância de alguma parte quanto ao crédito, será o credor remetido às vias ordinárias, afigurando-se possível ao juiz, na oportunidade, a reserva, em poder do inventariante, de bens suficientes para pagar o credor quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação, nos termos dos arts. 1.018 do CPC/1973 e 643 do CPC/2015.

Nessa situação, o credor excluído deverá ajuizar a ação ordinária cabível (cobrança, monitória, execução etc), no prazo de 30 (trinta) dias contados da data em que foi intimado da decisão (arts. 1.039, I, do CPC/1973; e 668, I, do CPC/2015), sob pena de perda de eficácia da reserva de bens eventualmente decretada pelo magistrado.

Denota-se, assim, que a própria lei confere ao credor excluído do inventário o ônus de ajuizar a ação de conhecimento respectiva (com o propósito de recebimento do seu crédito), sobretudo dentro do trintídio legal quando pretender manter a eficácia da tutela assecuratória eventualmente concedida - de reserva de bens -, sendo defeso ao juiz determinar a conversão da habilitação de crédito em ação de cobrança, em substituição às partes.

É de se registrar que a impugnação ao pedido de habilitação de crédito por alguma parte interessada, a ensejar a remessa aos meios processuais ordinários e a possível concessão pelo juiz da reserva de bens do espólio em favor do habilitante, confere feição contenciosa ao incidente, consistindo em verdadeira "medida cautelar que o juiz toma, ex officio, em defesa do interesse do credor que não detém sucesso na habilitação: se o crédito estiver suficientemente comprovado por documento e a impugnação não se fundar em quitação, o magistrado mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o credor, enquanto se aguarda a solução da cobrança contenciosa".

É consabido que o foro sucessório é universal, afigurando-se competente o juízo do inventário para conhecer e decidir "todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas" (art. 984 do CPC/1973, equivalente ao art. 612 do CPC/2015).

Entretanto, no que concerne à habilitação de crédito em que haja impugnação, não recai essa regra da universalidade, pois, com base em expressa disposição legal (arts. 1.018 do CPC/1973 e 643 do CPC/2015), para que o pleito seja remetido às vias ordinárias e sujeito à competência do juízo cível da ação de cobrança, monitória ou de execução, conforme o caso, "basta a discordância, ainda que o fundamento não seja adequado, constituindo-se, portanto, regra especial".

De acordo com a doutrina, "não cabe nesse incidente um juízo de valor do juiz do inventário sobre a questão posta, não constituindo ela uma daquelas a respeito da qual ele estaria autorizado a decidir em caso de conflito (art. 612 do CPC). Todavia, o juiz, de ofício, desde que entenda que o documento apresentado pelo credor requerente comprove suficientemente a obrigação e, ainda, desde que a alegação de qualquer das partes do inventário não seja fundada em pagamento, e esteja acompanhada de prova valiosa, poderá determinar a reserva em poder do inventariante de bens suficientes para pagar o credor, se vitorioso na ação a ser proposta".

Logo, conclui-se que, havendo impugnação, por alguma parte interessada, à habilitação de crédito em inventário, impõe-se ao juízo do inventário a remessa das partes às vias ordinárias, ainda que sobre o mesmo juízo recaia a competência para o inventário e para as demandas ordinárias (tal como ocorre nos juízos de Vara única), pois, nos termos dos fundamentos apresentados, constitui ônus do credor excluído o ajuizamento da respectiva ação ordinária, não competindo ao juiz a conversão do pedido de habilitação na demanda a ser proposta pela parte.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (CPC), arts. 642, §§ 2º ao 4º, e 668, I

Código Civil (CC), art. 1.997

QUARTA TURMA

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Casamento. Regime de bens. Modificação. Separação total para comunhão universal. Eficácia ex tunc. Corolário lógico.

DESTAQUE

Os efeitos da modificação do regime de separação total para o de comunhão universal de bens, na constância do casamento, retroagem à data do matrimônio (eficácia ex tunc).

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A modificação do regime de bens foi admitida pelo Código Civil de 2002, especialmente no seu art. 1.639, § 2º. Nos termos da literalidade da norma, a alteração do regime de bens não poderá prejudicar os direitos de terceiros. Constata-se, assim, a preocupação de se proteger a boa-fé objetiva, em desprestígio da má-fé, de modo que a alteração do regime não poderá ser utilizada para fraude em prejuízo de terceiros, inclusive de ordem tributária. Assim, em qualquer hipótese, havendo prejuízo para terceiros de boa-fé, a alteração do regime de bens deve ser reconhecida como ineficaz em relação a esses, o que não prejudica a sua validade e eficácia entre as partes e de modo geral.

Na hipótese do presente recurso, as partes casaram-se pelo regime da separação eletiva de bens e, valendo-se da autonomia de vontade, optaram por alterá-lo para o regime da comunhão universal de bens (o que supera, portanto, a comunhão parcial), manifestando, expressamente, a intenção de comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração.

Nesse caso, a retroatividade (efeitos ex tunc) não teria o condão de gerar prejuízos a terceiros, porque todo o patrimônio titulado pelos recorrentes continuaria respondendo, em sua integralidade, por eventuais dívidas, conforme inteligência do art. 1.667 do Código Civil de 2002, que dispõe que o regime da comunhão universal de bens importa a comunhão de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas. Com efeito, na hipótese de alteração do regime de bens para o da comunhão universal o próprio casamento se fortalece, os vínculos do casal se ampliam e a eficácia ex tunc decorre da própria natureza do referido regime.

Nessa linha, é possível que os interessados requeiram ao juiz que estabeleça a retroação dos efeitos da sentença, optando pelos efeitos ex tunc. No que tange à esfera jurídica de interesses de terceiros, a lei já ressalva os direitos de terceiros que eventualmente se considerem prejudicados, de modo que a modificação do regime de bens será considerada ineficaz em relação a eles.

A vedação, em caráter absoluto, à retroatividade implicaria inadmissível engessamento, retardando os benefícios que adviriam de um regime presumivelmente mais vantajoso para as partes e terceiros. O que não se pode fazer é retroagir para prejudicar, para alterar uma situação do passado em prejuízo da sociedade. Ao contrário, se a retroatividade é benéfica para a coletividade, se não viola o patrimônio individual, nem prejudica terceiros, ou seja, se o retroagir não produz desequilíbrio jurídico-social, deve ser admitido.

Havendo alteração da separação eletiva de bens para a comunhão universal, só haveria de fato uma comunhão "universal" se os bens já existentes se comunicarem. Sendo o regime primitivo o da separação de bens, com a alteração para comunhão universal, todos os bens presentes e futuros devem entrar para a comunhão. Como a própria lei já ressalva os direitos de terceiros (a alteração do regime de bens será ineficaz perante eles) não há por que o Estado-juiz criar embaraços à livre decisão do casal acerca do que melhor atende a seus interesses.

É difícil também imaginar algum prejuízo aos credores, visto que esses, com a alteração do regime para comunhão universal, terão mais bens disponíveis para garantir a cobrança de valores. Independentemente de constar na decisão judicial, o patrimônio continuará respondendo pelas dívidas existentes. Quanto a eventual credor prejudicado, vale a ressalva feita pela lei que diz respeito à ineficácia em relação a direito de algum terceiro que venha a alegar prejuízo.

Como regra, a mudança de regime de bens valerá apenas para o futuro, não prejudicando os atos jurídicos perfeitos. Mas a modificação poderá alcançar os atos passados se o regime adotado (exemplo: alteração de separação convencional para comunhão parcial ou universal) beneficiar terceiro credor pela ampliação das garantias patrimoniais. Aceitável, portanto, a retroação decorrente de explícita manifestação de vontade dos cônjuges.

A mutabilidade do regime de bens nada mais é do que a livre disposição patrimonial dos cônjuges, senhores que são de suas coisas. Não há sentido proibir a retroatividade à data da celebração do matrimônio livremente manifestada pelos cônjuges de comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração do regime de bens, especialmente no caso em que a retroatividade é corolário lógico da mudança para a comunhão universal.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Civil (CC), arts. 1.639, § 2º, e 1.667

Saiba mais:

QUINTA TURMA

Processo

AgRg no REsp 2.016.905-SP, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 14/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Art. 28-A do CPP. Procedência parcial da pretensão punitiva. Alteração do quadro fático-jurídico. Novo patamar de apenamento. Cabimento do ANPP.

DESTAQUE

Nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, e, ainda, em situações em que houver a desclassificação do delito - seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o Acordo de Não Persecução Penal, torna-se cabível o instituto negocial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No caso, houve uma relevante alteração do quadro fático-jurídico, tornando-se potencialmente cabível o instituto negocial do Acordo de Não Persecução Penal - ANPP. Afinal, o Tribunal a quo, ao julgar o recurso de apelação interposto pela defesa, deu-lhe parcial provimento, a fim de reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299), tornando, assim, objetivamente viável a realização do referido acordo, em razão do novo patamar de apenamento - pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos.

Trata-se, mutatis mutandis, de raciocínio similar àquele constante da Súmula n. 337 desta Corte Superior, a saber: "É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva".

De fato, ao longo da ação penal até a prolação da sentença condenatória, o ANPP não era cabível, seja porque a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) entrou em vigor em 23/1/2020, após o oferecimento da denúncia (26/4/2019), seja porque o crime imputado - falsidade ideológica, por sete vezes, em concurso material - não tornava viável o referido acordo, tendo em vista que a pena mínima cominada era superior a 4 (quatro) anos, em razão do concurso material de crimes.

Ocorre que o Tribunal de origem, já na vigência da Lei n. 13.964/2019, deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa para reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica, afastando, assim, o concurso material.

Essa modificação do quadro fático-jurídico não somente resultou numa considerável redução da pena, mas também tornou objetivamente cabível a formulação de acordo de não persecução penal, ao menos sob o aspecto referente ao requisito da pena mínima cominada ser inferior a 4 (quatro) anos, conforme previsto no art. 28-A do CPP.

Assim, nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, como no caso em questão, e ainda em situações em que houver a desclassificação do delito - seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o ANPP, torna-se cabível o instituto negocial.

Cabe salientar, ainda, que, no caso, não se faz necessária a discussão acerca da questão da retroatividade do ANPP, mas, sim, unicamente a circunstância de que a alteração do quadro fático-jurídico tornou potencialmente cabível o instituto negocial, de maneira que o entendimento externado na presente decisão não entra em confronto com a jurisprudência desta Corte Superior.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Có digo Penal (CP), art. 299

Código de Processual Penal (CPP), 28-A

Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime)

SÚMULAS

Súmula n. 337/STJ

Saiba mais:

SEXTA TURMA

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL

  

Tema

Registro não autorizado da intimidade sexual (art. 216-B do Código Penal). Alegação de decadência por ausência de representação da vítima no prazo legal. Ação penal pública incondicionada (art. 100, caput, do CP).

DESTAQUE

O delito de registro não autorizado da intimidade sexual (art. 216-B do CP) possui a natureza de ação penal pública incondicionada.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Lei n. 13.718/2018 converteu a ação penal de todos os crimes contra a dignidade sexual em pública incondicionada (art. 225 do Código Penal). Posteriormente, a Lei n. 13.772/2018 criou um novo capítulo no Código Penal, o Capítulo I-A, e dentro dele o delito do art. 216-B (Registro não autorizado da intimidade sexual). Ao criar esse novo capítulo, no entanto, deixou-se de acrescentar sua menção no art. 225 do Código Penal, o qual se referia aos capítulos existentes à época da sua redação (Capítulos I e II).

No caso, a defesa alega a existência de constrangimento ilegal decorrente do ato de recebimento da denúncia, uma vez que o crime encontra-se prescrito e decaído, pois, mesmo tomando conhecimento da gravação ilegal, a vítima apenas teria representado após o prazo de 6 meses conferido pelo art. 38 do CPP.

Todavia, compreende-se que tal omissão legislativa não prejudica o posicionamento de que o crime de registro não autorizado da intimidade sexual se trata de ação penal pública incondicionada. Isso porque, inexistindo menção expressa (seja no capítulo I-A, seja no art. 216-B) de que se trata de ação privada ou pública condicionada, aplica-se a regra geral do Código Penal: no silêncio da lei, deve-se considerar a ação penal como pública incondicionada.

No mesmo sentido, referencia-se o entendimento do Tribunal de origem no sentido de que "A interpretação deve ser, em tais hipóteses, necessariamente restritiva, pelo que é forçoso reconhecer não estar referido "Capítulo I-A" abrangido na previsão expressa de mencionado art. 225 do CP. Não se pode, contudo, perder de vista que a regra geral da legislação criminal é a ação penal pública ser incondicionada, sendo pública condicionada, ou privada, apenas se houver previsão expressa nesse sentido pelo legislador".

Dessa forma, ao considerar o delito de registro não autorizado da intimidade sexual como delito de ação penal pública incondicionada, inexiste a alegada decadência do direito de representação.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

LEGISLAÇÃO

Código Penal (CP), arts. 100, caput, e 225

Lei n. 13.718/2018

Lei n. 13.772/2018, art. 216-B

Código de Processo Penal (CPP), art. 38

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

ProAfR no REsp 2.056.866-SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgada em 18/4/2023, DJe 26/4/2023. (Tema 1188)

Ramo do Direito

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Tema

A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.056.866/SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "Definir se a sentença trabalhista, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, constitui início de prova material para fins de reconhecimento de tempo de serviço."

Processo

ProAfR no REsp 2.006.663-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 18/4/2023, DJe 26/4/2023. (Tema 1187)

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.006.663/RS ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "Definir o momento da aplicação da redução dos juros moratórios, nos casos de quitação antecipada, parcial ou total, dos débitos fiscais objeto de parcelamento, conforme previsão do art. 1º da Lei 11.941/2009."

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

ProAfR no REsp 2.034.975-MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 4/4/2023, DJe 27/4/2023. (Tema 1191)

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.034.975/MG ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "Necessidade de observância, ou não, do que dispõe o artigo 166 do CTN nas situações em que se pleiteia a restituição/compensação de valores pagos a maior a título de ICMS no regime de substituição tributária para frente quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida."

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

ProAfR no REsp 1.960.300-GO, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 28/2/2023, DJe 28/4/2023. (Tema 1192)

Ramo do Direito

DIREITO PENAL

Tema

A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 1.960.300/GO ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "O crime de roubo, praticado mediante uma única ação contra vítimas diferentes e em um mesmo contexto fático, configura o concurso formal de crimes e não um crime único, quando violados patrimônios distintos."

Processo

ProAfR - Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 18/4/2023, DJe 26/4/2023. (Tema 1189)

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "Definir se a vedação constante do art. 17 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) obsta a imposição, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente, ainda que prevista de forma autônoma no preceito secundário do tipo penal imputado."

Versão 3.0.12 |  de 24/04/2023 18:56.

Fonte www.stj.jus.br